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Livro 1

Leia o primeiro capítulo
O CHAMADO DE UNGO

Toda jornada começa com um sussurro.
E às vezes, o destino se anuncia em silêncio... entre a luz e o esquecimento.

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            Essa história não nasceu no papel. Ela nasceu em outro lugar, num servidor, uma cidade virtual. Em uma vida paralela onde, por algumas horas por dia, eu pude ser aquilo que talvez sempre quis ser: Ungo.

Antes de ser escrita, ela foi vivida.

Cada capítulo – ou quase todos – aconteceu primeiro entre voz e silêncio, entre risos compartilhados através da tela de um computador, improvisos na madrugada, frases que se tornaram destino. Foi amor, foi perda, foi reencontro. Foi amizade. Foi verdade.

            O Chamado de Ungo é, portanto, uma memória. Cada personagem existe em algum lugar entre o real e o simbólico, onde aqui, se transformaram em ecos de pessoas que estiveram comigo, que me ensinaram, que deixaram marcas.

As brigas, as desilusões, as noites insones, as conversas que terminaram cedo demais...

As músicas que puxavam lembranças... Os silêncios que diziam mais do que qualquer fala...

Tudo isso está aqui, costurado em roxo e fogo, transformado em narrativa, mas nunca deixado de ser verdade.

Este livro é meu jeito de lembrar. De honrar o que vivi. De transformar dor, amor e saudade em algo que continua existindo.

            O Chamado de Ungo não é apenas uma história. É um vestígio vivo daquilo que um dia realmente aconteceu.

Junior Nonato

ꟷ PRÓLOGO ꟷ

O Nome no Tecido do Tempo

Alguns nascem com os nomes dados. Outros, com nomes escolhidos.
Mas há aqueles raros cujos nomes foram sussurrados pelo universo - gravados no tecido do tempo antes mesmo do primeiro fôlego.

Anzu foi um desses.
Mas no mundo dos mortais, ele se chamava Ungo.
E havia esquecido.

Esqueceu do céu onde nasceu.
Esqueceu os portais que um dia cruzou.
Esqueceu a luz que pulsava em seu peito como estrela viva, incansável, como se quisesse romper a carne e lembrar-lhe quem era.

O tempo - esse escultor silencioso - enterrou sua verdadeira essência sob camadas de vida comum: amores frágeis, despedidas não ditas, dias iguais que se repetiam até parecerem eternos.

Por anos, Ungo viveu no eco de um vazio sem nome. Tentou preenchê-lo com afeto, com presenças breves, com o som de risadas que duravam o tempo de um gole.
Tentou amar, tentou pertencer.
Mas algo nele sempre sussurrava que havia mais. Mais do que o mundo podia oferecer.
Mais do que ele sabia pedir.

Esse sussurro, sutil como o vento entre folhas, um dia se transformou em chamado.
E o chamado veio em sonho. Veio em relâmpago.
Veio na forma de um nome esquecido: Anzu.
E de uma voz ancestral: Aedos.

Naquele instante, entre a vida que conhecia e a que havia perdido, Ungo renasceu.
Não por busca de glória.
Nem por vingança.
Mas por lembrança.

Este é o início da travessia,
O retorno à luz que dorme em cada um de nós.

Porque antes que o mundo tenha fim, alguns precisam despertar...

E entre eles... está Ungo.
Ou melhor...
Anzu.

O vento o chamaria de volta.
E ele atenderia - mesmo que sangrando, mesmo que sem entender.

ꟷ CAPÍTULO I ꟷ

A Cidade do Começo

— Você viria comigo? – perguntou Rafael, os olhos faiscando esperança, como se a resposta já estivesse escrita na face de Ungo.


Ele hesitou por um segundo – apenas o bastante para perceber que não hesitaria mais.
A ideia de partir, de recomeçar ao lado de Rafael, tinha o gosto do impossível feito carne. A forma como Rafael falava sobre Orleans a fazia parecer um lugar encantado, uma cidade onde a coragem era a moeda e o amor, abrigo.

Na semana seguinte, Ungo fechou a porta do pequeno apartamento pela última vez. Deixou para trás a cama torta, os livros empilhados, o cheiro de café frio e os sorrisos curtos dos amigos de sempre. Levava apenas duas malas, um coração inquieto e a fé quase infantil de que o amor seria suficiente.

 

☽ ◉ ☾

          Orleans o recebeu com o brilho dos arranha-céus e o cansaço das multidões. Era bela de um jeito urbano – uma cidade que se movia rápido demais para quem ainda carregava os passos lentos de outra vida. Rafael o guiava pelas ruas como quem apresentava um sonho feito de concreto e vidro.

— Vê esse lugar? – disse, apontando para um parque cheio de árvores antigas. — Quando estivermos velhinhos, a gente vem pra cá, vamos nos sentar nesse banco e rir das bobagens que vivemos.

Ungo sorriu. E acreditou.

 

          Os primeiros dias foram um sopro quente de novidade. O toque, o cheiro, o riso. Mas os dias dourados passam como a neblina sobre o asfalto: bonita, mas breve. O que antes era brilho, virou distância.

Rafael começou a se calar. Os gestos ficaram automáticos, os abraços, formais. E numa tarde nublada, entre folhas secas e bancos molhados, ele disse, sem olhar nos olhos:

— Eu preciso ir. Preciso de mim. Preciso estar sozinho.

Foi só isso.

E partiu.

Partiu deixando que o coração de Ungo se despedaçasse em silêncio.

A chuva começou fina, como se o céu chorasse no lugar dele. E ele ficou ali, imóvel, ouvindo o som das gotas nos galhos – o som de algo que terminava.

 

☽ ◉ ☾

 

          As semanas seguintes foram longas e sem voz. Orleans, antes vibrante, agora parecia fria, estrangeira. Os prédios eram muralhas, os rostos, sombras.

As luzes da cidade o atravessavam sem tocá-lo. Até que um dia, andando sem rumo, encontrou o Tequila Food, um bar escondido entre luzes de néon, como um refúgio que a cidade guardava para quem perdeu o chão.

Na vitrine, uma placa simples:

“PRECISA-SE DE ATENDENTE NOTURNO.”

Ungo entrou. E foi ali que conheceu Agnes.

 

☽ ◉ ☾

 

          Os dias se passaram, Ungo conseguiu ser contratado, até porque poucas pessoas preferiam ceder suas noites de liberdade ao emprego, mas para ele não existia mais prazer no deleite noturno, então, o trabalho era uma ótima opção.

— Se quebrar alguma garrafa, joga a culpa no Henrique – disse ela, rindo alto, o cabelo preso de qualquer jeito, o avental manchado de cor e vida. — Ele já é o culpado por tudo mesmo.

O riso dela era remédio.

Agnes tinha aquele brilho que iluminava os cantos sombrios do outro sem invadir, sem pedir nada em troca. E quando olhava para Ungo, parecia ver além do rosto cansado – via o que ele tentava esconder.

Henrique, um dos donos do bar, era o oposto.

Firme, de poucas palavras, mas com um olhar que transmitia calma e confiança. Tinha aquele tipo de presença que apenas com o silêncio já conseguia dizer “Ei, respira. Tá tudo bem!”.

— Você tá em pedaços, cara – disse numa das primeiras conversas. — Mas a gente dá um jeito. Aqui você pode ser quem quiser. Inclusive você mesmo.

          Entre copos e confissões, o Tequila virou abrigo.

As risadas de Agnes, os silêncios confortáveis de Henrique e as madrugadas embaladas por músicas velhas costuravam as noites de Ungo. E ali, ele começou a respirar de novo.

Mas havia algo que ainda o puxava de dentro.

Um vazio que não se preenchia, nem com afeto, nem com trabalho. Era uma ausência antiga, que parecia sussurrar quando ele olhava o próprio reflexo no espelho.

“Por que nada me preenche?”

“Por que sinto falta de algo que nem sei o que é?”

Essas perguntas eram preces ditas em voz baixa, mas o universo – como sempre – ouve o que o coração tenta esconder.

E numa noite qualquer, sob a chuva que voltava a cair sobre Orleans, tudo começou a mudar.

© 2025 por Junior Nonato.
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